"aranhicas e elefantes" é um blog colectivo que pretende desenhar um espaço de produção e de interrogação no âmbito da poesia experimental. O objectivo é a desapropriação da escrita e a diluição da autoria. A primeira concretiza-se através do conceito de “escangalhanço” que, na prática, permite a criação de um texto a partir de um esboço inicial que depois é sujeito à intervenção dos/as membr os do blog que podem eliminar, acrescentar, recolocar, recombinar palavras, expressões, imagens e sons. Cada novo “post” fica aberto a estes processos que o levam a percorrer um caminho de criação colectiva. A diluição da autoria concretiza-se através da inexistência de nomes convencionais de autores havendo apenas uma identificação necessária à visualização do processo que cada “post” atravessou.
A cor é o único indício/vestígio de autoria -- surge apenas para que o processo criativo seja tornado visível. Fazer parte deste processo criou as condições para a nossa recolocação enquanto autores e perceber a dimensão da “presença” do autor, perceber a importância do anonimato e do espaço que ele cria. Michel Foucault produziu um conjunto de reflexões sobr e estas questões. Em concreto, em “O que é um autor” reflecte sobr e a contemporaneidade do acto da escrita pondo em questão a função do nome de autor na própria escrita e na recepção da mesma. Considerando a individualização do autor na cultura ocidental, Foucault refere o facto de ocorrer um cruzamento entre a vida e a obr a passando o texto a apontar para essa figura que lhe é exterior e anterior de tal forma que a biografia de quem escreve pode ser a do autor, pode ser a da pessoa do autor. Urge aqui a possibilidade de questionar acerca da alteridade da escrita. Caberá nesta argumentação de Foucault o trânsito do escritor entre a sua entidade da simples existência e a entidade da sua produção criativa? Haverá sentido na própria distinção que assim se faz? O que é um autor?
No entender de Foucault a escrita abr e um espaço de permanente desaparecimento do sujeito e é nessa ausência que ele exerce a sua singularidade. Esta não deve ser anterior nem exterior ao acto de escrita. Estando o nome de autor fora desse processo, o momento de forte individualidade que ele proporciona na nossa contemporaneidade não tem sentido. O espaço do anonimato será, exactamente, o espaço de exercício de uma individualidade que decorre directamente da escrita produzida em vez de decorrer de uma função classificativa e de autenticação do lugar exterior do nome de autor. A marca do escritor não é mais do que a singularidade da sua ausência. É-lhe necessário representar o papel do morto no jogo da escrita (Foucault, 1992). Será neste sentido que os membr os do blog experimentam o acto de escrita e a relação com a comunidade. Observar o efeito naqueles que nos ‘lêem’ era algo importante para chegar a algum tipo de conclusão sobr e este exercício. Obliterar os sinais de individualidade de cada um de nós e reclamar um espaço na escrita de cada um dos outros – que tipo de reacção provocaria? Que questões levantaria? Confrontando com a análise feita por Foucault, o desaparecimento de cada um de nós no âmbito da autoria e a expressão da individualidade apenas no interior da escrita, das palavras será possível na tensão com a função de autor. Concretamente, a partir de determinado momento, um/a ‘visitante’ regular do blog contactará com a produção do mesmo através dos nomes “aranhiça X” ou “elefante X” aos quais já reconhece um papel e uma função classificativa. A identificação por si só, na medida em que pode atribuir a cada aranhiça ou elefante uma palavra ou expressão, etc., é algo que se tornou indispensável para o acompanhamento do “escangalhanço” e, neste sentido, era desejável essa identificação. Porém, o reconhecimento de determinada aranhiça ou elefante como criador com uma tendência, postura, escrita específica representa um limite à interrogação da noção de autoria. Foucault aborda esta questão na distinção entre nome próprio e nome de autor. Em certa medida o nome de autor é um nome próprio pois exerce uma função de designação mas, também, uma função de descrição. Na medida em que o visitante regular tem a possibilidade de reconhecer a uma “aranhiça” ou “elefante” determinadas tendências e uma homogeneidade das suas participações no blog, essa designação passa a ser um nome de autor. Na medida em que este serve para caracterizar um certo modo de ser do discurso, o objectivo de diluição da autoria é atingido apenas na medida em que o /a “visitante” não medeie o seu contacto com os textos através das entidades “aranhiça X” ou “elefante X” às quais atribui um conjunto de características no que toca à escrita de cada um.
Admitindo esta limitação, a questão que se coloca e que colocamos a quem nos lê é: interessa-vos quem fala?
Um comentário:
é este o meu mundo;)
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